segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Lembranças...


Estava sentada em frente à janela, a chuva chicoteando o vidro, como se fosse agredí-lo com veemência, intensa, ininterrupta.

Seus pensamentos iam longe. Queria lembrar-se de coisas que pareciam não fazer sentido, mas tinham feito parte de sua vida.

A infância, a adolescência, a vida adulta, a maturidade que cisma em chegar... impossível lutar contra o tempo. Mas e a memória? Qual o motivo de tanto vazio em sua mente?

Ajeita-se na poltrona acolhedora, molha os lábios na taça fina, o gosto tinto pela garganta e os olhos na grama molhada. Tudo vem como um filme...

A criança que corria por entre as árvores, sorriso no rosto, felicidade na alma. As bonecas descabeladas eram seu reflexo, os pés descalços na terra, as mãos enlameadas pelos castelos de sonhos e areia, bolos de chocolate barrentos, boca lambuzada de fruta do pé, amigos imaginários.

Aos poucos a infância se foi, deixando em seu lugar uma menina que buscava sua identidade, sem saber exatamente onde fazê-lo. Mas fez e saiu-se bem no propósito. Obteve muito auxílio, é verdade, mas soube utilizar a ajuda recebida. Mérito merecido.

A adolescência não é uma fase. É dividida em muitas fases, conhece pessoas que nunca saem dela... joga esse pensamento fora, concentra-se na sua história.

Meninas transformando-se em mulheres, mas ainda são meninas, mas também não são mais crianças. Confuso isso, muito confuso. Na verdade, ainda parece confuso pra ela. Como conseguiu passar por isso?

Meninos são agora uma incógnita. Seres que pareciam desprezíveis tornam-se enigmáticos, até encantadores. Eles passam a fazer parte de nossas vidas.

A responsabilidade chega, trazendo na bagagem contas, diplomas, escolhas, lar e profissão. Mas traz também a liberdade consentida para dirigir até onde quiser, chegar na hora que acabar, dormir depois do nascer do sol. Até trabalhar após uma noite festiva e sem descanso é bom, incrivelmente bom. Mas aprende logo que só pode fazê-lo esporadicamente, e com o passar do tempo o corpo já não responde do mesmo jeito...

Namoros, noivados e casamentos iniciaram e acabaram. Os seus e de tantos outros. Ninguém morreu por isso, incrível! Parece que uma felicidade estranha alcança quem tem o poder de terminar algo que já terminou. Descobrir essa mágica a fez mais feliz ainda.

A chuva diminuiu seu ritmo, permitindo uma claridade há muito conhecida por entre as nuvens. Sentiu o sol entrando na pele, sem que ele aparecesse no céu. Era a luz invadindo seu coração, aquecendo seu amor próprio, fazendo-a ter a certeza de que errara e acertara ao longo da vida, e que buscaria novos erros e acertos.

Agradeceu a si mesma por aquele momento só dela. Prometeu repetí-lo muitas vezes e teve a certeza da felicidade.

Silvia Mara

2 comentários:

inutensilio disse...

intenso , existencial ...

lindo...

parabens !

Silvia Mara disse...

Venha sempre com essa sua percepção da beleza!
Bjocasss

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