domingo, 23 de junho de 2013

Quando não dá mais tempo...



Cinco décadas e agora isso...

Estava estarrecido com o inesperado daquela situação. Não contava com uma partida tão súbita, sem nem ao menos a chance de proferir palavras, despedidas, declarações, murmúrios ou lamentos. Não dava mais tempo.
E foi nesse momento que percebeu o tempo...

O tempo passou e ninguém reparou, nem ele. Ou será que foi somente ele?

A viagem iniciou.

O corpo mudara, a pele apresentava vincos que não estavam lá. Os cabelos riscados de branco, o tônus perdido, o peso aumentara. Mas tinha mais que isso, tinha o tempo da alma. Das duas almas que ali estavam. Agora entendia quando ela dizia que ele não prestava atenção.

As perguntas começaram.

Fez tudo que devia fazer? Deu o seu melhor? Esforçou-se para ser o melhor amigo? Foi honesto? Foi fiel? Foi leal? Elogiou o suficiente? Amou corretamente? Demonstrou seus sentimentos? Foi corajoso ao ponto de ficar vulnerável ao amor? 

Tantas perguntas que não adiantavam mais serem respondidas, e não faria mais diferença. Sentou e chorou. Não só pela intensa dor da perda da mulher amada, mas por ter compreendido que não teria mais tempo.

Ficou sem tempo de amá-la. Acreditou que ela sempre estaria ali, independente de suas ações. Sua estupidez tamanha cavou um buraco, concreto preencheu seu estômago e sufocou sua garganta.

Tinha vontade de arrancá-la daquela caixa e dizer-lhe tudo que sentia, tudo que devia ter sido dito há muito tempo, ao longo do tempo. Esse mesmo tempo que não volta, que parece cruel, mas só é cruel com quem não sabe usá-lo, quem não sabe aproveitá-lo.

O tempo é uma dádiva. Permite encontros, promove desencontros, impulsiona com sua corrida implacável, provoca com a inaceitável ideia de que não retorna. Mas nem todos percebem suas ações e lamentam no final.

Depois de cinco décadas ainda não a conhecia... e não teria mais tempo, nem o choro conforta.

Silvia Mara

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